Uma das maiores tragédias acontecidas no
sertão do Cariri foi sem dúvidas a que tombou um dos homens mais
destemidos e valentes de toda região: Francisco Pereira de Lucena, o
famoso Chico Chicote. Nascido em 7 de janeiro de 1879, filho mais jovem
do Capitão Francisco Pereira de Lucena , se destacava dos demais irmãos
pela rebeldia e total desapego a autoridade constituída. Homem de
reconhecida força física, chamava a atenção por sua altura e feições
alvas, e ainda, pela maneira de falar: falava sempre muito alto, quase
aos gritos . Era uma figura singular e que só com o fato de sua
presença, já incutia medo às pessoas.
Chico Chicote era costumaz desordeiro;
quando bebia quase sempre acabava se envolvendo em problemas. Por seu
temperamento difícil ,já tinha sobre seus ombros vários crimes e um
número sem fim de inimigos. Dentre esses se destacava a família
Salviano, mentora da tragédia de Guaribas. Entre Chico Chicote e Lampião
sempre houve um respeito mútuo , apesar da distância; Lampião que até
ali não tinha inimigos no estado do Ceará, acabou sendo o álibi perfeito
para o início da trama que daria cabo a vida de Chico Chicote.
Virgulino sempre que passava pelas terras do Cariri cearense, vinha pelos lados de Jati, Porteiras, Brejo dos Santos , Jardim e Missão Velha, para as paragens do poderoso Cel Santana, da fazenda Serra do Mato. Em uma dessas oportunidades seus cabras acabaram matando e se alimentando de animais do rebanho do também coronel Pedro Martins de Oliveira Rocha, da fazenda Cacimbas de Brejo dos Santos. Diante do acontecido o líder cangaceiro mandou informar ao referido coronel que o autor do morticínio de seus animais teriam sido homens de Chico Chicote e não, seu bando.
Ato contínuo o Coronel Pedro Martins
mandou chamar à sua fazenda , Chico Chicote, que refutou as acusações,
desmascarando a acusação infundada lhe imputada por Lampião. A partir
dali nascia mais um inimigo de Virgulino Ferreira; o primeiro em terras
do Cariri Cearense.
Mesmo depois do incidente; pelo menos
por duas vezes os coronéis do Cariri tentaram a aproximação de Chico
Chicote e Lampião; uma das vezes o próprio coronel Pedro Martins através
de seu genro, Antonio Xavier, quis promover este encontro na fazenda
Crioulo, também em Brejo dos Santos, Chico Chicote lá não apareceu. A
outra oportunidade foi na Fazenda Serra do Mato do Coronel Santana,
quando ao saber que ali se encontrava Sabino Gomes, Chico Chicote não
desceu nem de seu cavalo. Era do conhecimento de todos a rixa entre os
dois; entretanto foi a partir dessa rixa que se arquitetou o trágico fim
de Chico Chicote.
Uma espetacular trama envolvendo
correntes políticas de alguns das principais cidades do Cariri, viriam
trazer um tempero especial ao combate de Guaribas. Explico: O irmão de
Chico Chicote, era o prefeito de Brejo Santo, Quinco Chicote, e por
muitas vezes precisou usar toda a força política e ainda amargar alguns
desabares em função da ação truculenta do irmão rebelde. Em determinado
momento lideranças de Brejo Santo enviaram telegrama ao Presidente do
Ceará; Moreira da Rocha; com queixas contra Chico Chicote, e pediam
providências às forças do estado. Ato contínuo o mandatário maior do
estado designou a volante do tenente José Bezerra, estacionada em
Jardim, para atender ao pleito lhe enviado.
Na verdade começava ali o esboço de uma das maiores atrocidades da história do cariri. É importante mostrar outros personagens; ou, vítimas; desse bem tramado plano. Primeiro vamos nos deter em Antônio Gomes Granjeiro, de tradicional família sertaneja e amigo fiel de Chico Chicote; sua propriedade, o sítio Salvaterra; seria a primeira parada da volante assassina de José Bezerra. O Tenente havia partido de Brejo Santo dizendo aos quatro ventos que iria em perseguição a Lampião, que de fato se encontrava ali perto, também na Serra do Araripe; Entretanto naquela madrugada do dia 1 de fevereiro de 1927, a volante seguiu direto para o sítio Salvaterra, com o intuito de efetivar o primeiro “acerto” daquela fatídica empreitada: Matar Antônio Gomes Granjeiro; crime encomendado pela família Salviano, inimiga de Chico Chicote e que se encontrava sob a proteção do poderoso Zé Pereira de Princesa.
Cercaram a casa de Antônio Gomes
Granjeiro pouco antes do alvorecer, dali levaram o dono da propriedade e
mais os companheiros, Louro, Joaquim de Barros e Aprígio, todos
violentamente mortos, degolados e queimados, a poucos quilômetros de
Guaribas. A primeira etapa da empreitada a que foi contratado Zé
Bezerra, estava cumprida.
Mais uma vítima seria assassinada
covardemente pelas costas nesta manhã tenebrosa de fevereiro, no cariri
cearense. Antônio Marrocos , o Nêgo Marrocos, era cobrador de impostos
em Macapá, atual Jati, na época município de Jardim. Ali mantinha antiga
rixa com lideranças políticas locais que aproveitaram a oportunidade
para também “peitarem” o tenente Zé Bezerra e acabar com a vida do
referido inimigo. Depois de passarem no Salvaterra, foram a casa de
Marrocos e praticamente o induziram a acompanhar a malta “oficial” até a
propriedade de Chico Chicote, uma vez que o mesmo mantinha boas
relações com Marrocos. Era o começo da manhã daquele dia e ao se
aproximarem de Guaribas, Zé Bezerra deixou o grosso da tropa, composta
por cerca de 70 homens e partiu junto com Marrocos, o tenente Veríssimo e
com o sargento Antônio Gouveia e ainda o corneteiro Louro, de encontro a
Guaribas.
Quando os moradores de Chico Chicote
avistaram o pequeno grupo, avisaram ao patrão: “É o Nêgo Marrocos!”
Naquele momento o segundo “acerto” da empreitada seria efetivado: O
tenente Veríssimo imediatamente disparou um tiro de revolver nas costas
de Antônio Marrocos, que ainda permaneceu vivo por algumas horas no
cenário do grande combate. Ao ouvir aquele primeiro tiro, Chico Chicote
voltou rapidamente com os seus para dentro de casa; começava ali um dos
mais ferozes combates da era do cangaço, em terras cearenses.
Na manhã daquele primeiro de fevereiro
de 27, avançava nas Guaribas. A força comandada pelo tenente José
Gonçalves Bezerra, após o assassinato do grupo de Antônio Gomes
Granjeiro em Salvaterra e Antônio Marrocos no terreiro de Chico Chicote,
iniciava um dos mais terríveis cercos da história do cangaço.
De dentro de casa, acompanhado apenas
pela esposa, Dona Geracina, da filha Josefa, do filho Vicente Inácio, e
os cabras Sebastião Cancão e Mané Caipora; Chico Chicote numa das
resistências mais célebres do sertão, sustenta uma verdadeira chuva de
bala de seus oponentes, que mantinham Guaribas quase que totalmente
cercada.
O tenente Zé Bezerra ordena avançar e
antes mesmo que o corneteiro Louro pudesse fazer soar o instrumento, foi
mortalmente atingido por um balaço vindo da arma de Sebastião Cancão. A
fuzilaria se fazia ouvir por todos os recantos daquele sovaco de serra;
Lampião estacionado a poucas léguas dali, no local chamado Malhada
Funda, na serra do Araripe, ouviu o combate, mas não daria retaguarda a
um inimigo confesso: Chico Chicote.
A refrega continuava feroz, de dentro da
casa a reação dos sitiados era impressionante, chegando a dá a
impressão que havia um verdadeiro exercito na defesa; dona Geracina e a
filha Josefa se desdobravam na refrigeração e carregamento das armas; do
lado de fora, dois moradores de Chico Chicote, Zé Francisco e Fiapo;
chegavam e davam uma retaguarda, atacando a força volante pelos flancos e
conseguindo algumas baixas na tropa de Zé Bezerra.
Na vila de Porteiras a repercussão do
cerco a Guaribas já havia chegado. Os muitos amigos de Chico Chicote se
organizaram para auxiliar na defesa do lugar, achavam que o mesmo estava
sendo atacado por Lampião e seus homens e partiram para as Guaribas
para atacar o cangaceiro. Eram dez horas da manhã quando o grupo partiu
de Porteiras, entre os cerca de 50 homens sob o comando do cabo
Cesário,dentre esses, um grande amigo de Chico Chicote, Antônio da
Piçarra.
O grupo de Porteiras sustentava o fogo
na defesa de Chico Chicote, pelas quatro da tarde o fogo recuou um pouco
e Antônio da Piçarra chamou Chico Chicote para romper o cerco e vir se
refugiar ao lado da tropa, no que foi rechaçado pelo sitiado, ele
ficaria ali até a morte.
Uma hora depois, outro componente do
plano , se evidenciaria. Chegava no campo de batalha a volante
pernambucana de Arlindo Rocha e a volante paraibana do tenente João
Costa; a esses se somavam homens do poderoso Zé Pereira, comandados por
Sinhô Salviano, terrível inimigo de Chico Chicote e protegido do coronel
de Princesa.
Com a chegada do reforço das volantes o
fogo intensificou, já eram mais de 10 horas de combate ferrenho, àquele
momento o grupo de Porteiras percebeu que combatia forças policiais e
não o bando de Lampião, supostamente atacante das Guaribas; ali, o grupo
recuou e acabou deixando Chico Chicote entregue a seu próprio destino.
Matéria do Portal OKariri.com, com informações de Cariri Cangaço
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